domingo, 27 de novembro de 2016

Entrevista: Astrologia, Astronomia e Ciência

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Em julho deste ano, o professor Leonardo Gabriel Diniz foi entrevistado por Anna Flávia Monteiro, repórter  da Revista Curinga, do curso de jornalismo da UFOP. Parte da entrevista foi publicada na matéria "Vai e olha o céu, a dança dos satélites, signos e constelações em nossas vidas", na 18ª edição da revista (clique aqui para acessar).

Reproduzimos abaixo a entrevista na íntegra:


1) Qual seu nome, idade e no que tem se ocupado?

Leonardo Gabriel Diniz, 34 anos. Sou professor de Física. Tenho me ocupado com atividades de ensino (aulas de Física), pesquisa (na área de Física Atômica e Molecular) e divulgação científica de Astronomia.

2) O que o estimulou para seguir com os estudos dos astros?
Embora eu seja formado em Física, não tive muito contato com a Astronomia em minha formação. Minha grande oportunidade de estudar surgiu em 2009, o ano internacional da Astronomia, quando o governo federal publicou um edital de financiamento para projetos na área de divulgação científica e Ensino de Astronomia. Como professor do CEFET-MG, enviei um projeto e fomos contemplados. A partir daí criamos um grupo de Astronomia e desde então venho estudando e coordenando atividades nesta área.

3) Como a preocupação em torno do movimento dos astros começa e onde?
Não sabemos ao certo quanto tudo começou. Do ponto de vista dos registros históricos, podemos destacar algumas marcas importantes. A orientação das pedras gigantes de Stonehenge, de aproximadamnte 4000 anos atrás, sugere um alinhamento com o movimento anual do Sol. Este conjunto de pedras pode ser considerado como um dos primeiros observatórios astronômicos. As pirâmides do Egito e da mesopotâmia possuem alinhamentos sugestivos com a disposição de algumas estrelas importantes. Destacam-se também os importantes registros da astronomia babilônica, que usou os astros para o estabelecimento de um calendário. Os egípcios também apresentam feitos importantes. Na sequência temos os filósofos da Grécia Antiga e assim por diante, até chegar no nascimento da Ciência Moderna com Galileu e companhia.

4) A astrologia nasce junto com a astronomia? Qual a separação teórica?
Se pensarmos a Astronomia como uma ciência, eu diria que ela nasce após a separação, ou seja, após o advento da ciência moderna. Se adotarmos um conceito menos rígido da Astronomia como um corpo de conhecimento relativo aos astros, eu diria que ela nasce junto com a Astrologia. Os registros históricos sugerem que as pedras de Stonehenge, além de serem usadas para acompanhar o movimento dos astros, eram também associadas a cultos religiosos e a previsão de eventos futuros. Então parece que a Astronomia e a Astrologia começaram juntas. O conhecimento do movimento dos astros, além de ser usado para situações práticas, como a definição de um calendário, também eram associadas às vontades dos deuses e à previsão do futuro. A separação acontece após o nascimento da ciência moderna. De modo simples, a ciência pode ser considera como um método de construção do conhecimento. A partir das observações, são construídos modelos ou teorias que representam a realidade. As teorias ou modelos normalmente são baseadas em algumas hipóteses, cujas consequências devem ser confrontadas com as observações ou experimentos. Caso haja qualquer desacordo, a teoria deve ser alterada ou mesmo descartada em favor de outra. A partir do nascimento desta nova forma de pensar, a Astronomia seguiu este caminho e se tornou ciência. Como a Astrologia nunca adotou e ainda não adota este método, ela não é considerada ciência. Daí nasceu a separação. É interessante destacar que Galileu, considerado por muitos como o pai da ciência moderna, pode ser considerado o último astrólogo e o primeiro astrônomo ao mesmo tempo.

Clique no link abaixo para ver o restante da entrevista.



5) Qual a posição da astronomia perante a conduta da astrologia?
A Astronomia estuda a evolução, o movimento de objetos celestes, bem como a formação e o desenvolvimento do universo. A Astrologia estuda como as posições dos astros interferem na vida das pessoas aqui na Terra. Como físico, não sou contra e nem a favor da Astrologia. No entanto, é muito importante demarcar que enquanto a Astronomia é ciência (segue o método científico), a Astrologia não pode ser considera ciência. Não ser uma ciência não é necessariamente uma coisa ruim. Por exemplo, as religiões e até mesmo o sentimento do amor não são considerados ciências. Até aqui não há nenhum problema. O grande problema acontece quando astrólogos tentam vender a Astrologia como ciência com o intuito de pegar carona na grande credidibilidade que o método científico possui. Neste caso, dizemos que a Astrologia é uma pseudociência, uma uma falsa ciência que tenta se passar como verdadeira.

Em minha opinião, o fato da Astrologia não ter escolhido seguir o método científico não foi uma opção, ela simplesmente não conseguiria sobreviver ao método. Como já disse Carl Sagan na série “Cosmos”, basta pegar o exemplo de dois irmãos gêmeos. Apesar de terem nascido na mesma configuração dos astros, eles podem possuir personalidades e destinos completamente diferentes. Na Astrologia antiga, antes de existir o método científico, os astrólogos faziam de fato previsões do futuro, como tragédias, guerras e mortes. É interessante observar que agora, os horóscopos dos jornais não se atrevem a fazer previsões do futuro, eles apenas indicam de forma vaga sugestões de condutas e comportamentos a serem seguidos.

6) Como se observa/estuda o céu quando o tempo está fechado?
Neste caso, do ponto de vista da observação astronômica, não há muito o que fazer. É necessário esperar o tempo melhorar ou buscar outro lugar com melhores condições. A não ser que se usem telescópios espaciais que, por estarem além da atmosfera, não sofrem com este tipo de problema. De toda forma, se o interesse for apenas saber como está a configuração dos astros no céu, é possível usar um simulador pelo computador ou pelo celular. O Stellarium é gratuito e bem interessante.

7) O Voyager 1, da Nasa, carrega para além do sistema solar um disco com memórias terrenas de nossa vida e cultura, como músicas e imagens. O homem consegue ser do tamanho do que observa?
Embora seja comum nos sentirmos importantes e especiais, na escala do universo, a Terra é apenas um ponto desprezível. Como disse Carl Sagan no livro “Pálido Ponto Azul”, “a Astronomia é uma experiência de humildade e criadora de caráter”. Seguindo esta reflexão, a Astronomia nos ajuda a termos mais humildade e sensibilidade para lidar com os outros e para cuidar melhor de nosso planeta. Penso que enviar este disco com nossas informações foi um gesto de humildade. Assim como temos grande curiosidade em saber como seria a vida em outros lugares, estas outras vidas poderiam ter a mesma curiosidade. Este disco é instrumento compacto e inteligente de reunir importantes informações sobre as formas de vida na Terra.


8) Como o astrônomo se debruça hoje sobre a questão de vida em outros mundos?
Do ponto de vista científico, a maioria dos astrônomos acredita na existência de vida em outros planetas. Já em relação a um possível contato, como nos relatos de discos voadores, a maioria dos cientistas são descrentes. Atualmente, uma das mais importantes pesquisas são as descobertas de planetas que orbitam outras estrelas, os chamados exoplanetas.

9) A quantas anda o desenvolvimento de pesquisas astronômicas? Podemos esperar grandes feitos? O que nos aguarda de mais grandioso? Quais as expectativas com pesquisas e linhas de estudo?
Sem dúvida, a grande questão do momento consiste na busca por vida fora da Terra. A cada dia que passa são descobertos novos exoplanetas. Temos mais de mil descobertos. Muitos desses planetas não possuem condições para a vida, pois estão fora da zona habitável. Ou seja, estão perto demais ou longe demais de sua estrela, numa região em que não é possível se ter água no estado líquido. Desta forma, as atenções ficam voltadas para os exoplanetas da zona habitável. Quanto mais parecidos com a Terra, acreditamos que maior será a chance de abrigar a vida. Além da pesquisa com exoplanetas, missões atuais da Nasa também pesquisam a possibilidade de vida dentro do Sistema Solar. Além da possibilidade de vida no passado de Marte, existe uma chance de ter condições para vida em uma das luas de Júpiter.

10) Qual a importância dos instrumentos de estudo? Quais são, hoje, os mais relevantes na observação dos astros?
Ainda em relação a questão da vida fora da Terra e dos exoplanetas, os principais instrumentos utilizados nesta busca são os telescópios satélites. Se destacam os satélites CoRot (França, Europa e Brasil), Kepler (NASA) e Gaia (ESA), que são responsáveis pela descoberta de muitos exoplanetas.

11) Quais os eventos podemos esperar para o restante do ano? E em 2017? Alguma previsão em especial recente que podemos nos antenar?
Em relação a observação do céu, todos os anos temos muitos eventos especiais, como eclipses da Lua, do Sol, chuvas de meteoros, conjunções de planetas, Super Lua, etc. Para saber as datas de cada evento recomento olhar em algum anuário astronômico. No dia 27 de agosto deste ano, por exemplo, os planetas Júpiter e Vênus estarão muito próximos. Em maio deste ano, tivemos um evento muito raro, o trânsito de Mercúrio na frente do Sol. Em relação ao que esperar das pesquisas, temos muitas expectativas. Neste ano tivemos a detecção das ondas gravitacionais. Estas formas de onda constituem uma previsão da Teoria da Relatividade de Einstein que nunca tinha sido detectada anteriormente. Este trabalho é um sério candidato ao próximo prêmio Nobel. Esperamos para 2017 mais detecções destas ondas e alguma novidade que elas possam trazer na nossa forma de entender o universo. Também espero que um número crescente de exoplanetas parecidos com Terra sejam descobertos. As missões da NASA também poderão trazer alguma novidade sobre indícios de probabilidade de vida no sistema solar. Eu, particularmente, acredito que nossa atual geração será contemplada com a confirmação de vida fora da Terra. Não necessariamente em 2017, mas poderemos estar vivos quando isto acontecer. Não me refiro a um contato com ETs. Existem algumas moléculas que são indicadores de vida, ou seja, moléculas cuja existência só é possível a partir de alguma forma de vida. Acredito que será possível detectar a presença de alguma dessas moléculas em algum exoplaneta num futuro breve. Não há barreira tecnológica, mas tudo dependerá de investimento de recursos nestas pesquisas.


12) Qual a margem de erro das previsões astronômicas?
Isto depende muito do tipo de previsão de que estamos falando. Se estivermos falando da previsão das posições dos astros, ou de fenômenos como eclipses, posso dizer que o erro é desprezível (embora eu não saiba quantificar). Se estivermos falando de outros tipos de previsão, como a explosão de uma estrela ou a previsão de colisão de duas galáxias, por exemplo, é bem mais complicado. Estes fenômenos são de uma escala de tempo muito grande para a escala de tempo de nosso dia a dia, pois estamos falando de milhões ou até mesmo de bilhões de anos. Estas previsões são feitas usando teorias e simulações computacionais. Embora os erros possam ser grandes em nossa escala de tempo, o erro deve ser sempre pequeno em relação ao fenômeno estudado . Por exemplo, um erro no tempo de vida de uma estrela de um milhão de anos, embora muito grande para nós, é algo muito pequeno para uma estrela que vive bilhões de anos. Embora nenhum ser humano possa viver tempo suficiente para acompanhar a evolução de um único fenômeno nesta escala de tempo, podemos fazer uma análise estatística baseando-se nas várias estrelas que estão no céu hoje. A teoria científica nos diz como é a evolução de uma estrela, e o imenso número de estrelas no céu de hoje dialoga com o nosso modelo teórico. É como se uma certa estrela de hoje representasse o passado ou o futuro de uma outra estrela. Para quantificar em número o erro destes tipos de previsões seria necessário consultar um especialista, como um astrofísico ou um cosmólogo.


13) A melhor forma de observar o conceito do tempo é na observação e estudo dos astros? 
Percebemos o tempo através de algum fenômeno que se repete, os chamados fenômenos periódicos. Através da contagem do número de repetições, que acreditamos sempre ter a mesma duração, podemos ter uma contagem da passagem do tempo. Os calendários são baseados no movimento periódico da Terra em torno do Sol e na duração do dia. As estações do ano também estão relacionadas a este movimento. Isto tudo tem uma importância fundamental em nossas vidas. Do ponto de vista da precisão na medição do tempo, sabemos que esta não é a melhor escolha. Relógios que utilizam a vibração de átomos como contagem de tempo possuem uma precisão muito melhor do que o movimento dos astros. Além disso, sabemos que um ano não dura exatamente 365 dias e existem pequenas variações na duração dos dias. Para ajustar o problema da duração do ano e do dia, foi criado o ano bissexto. Do ponto de vista do rigor científico, da precisão e da uniformidade na passagem do tempo, o relógio atômico seria melhor. Mas do ponto de vista prático, o dia, o ano e as estações do ano, por serem fundamentais em nossas vidas, certamente constituem a melhor forma de observar a passagem do tempo.


14) Como se pode perceber o tempo e sua cadeia de signos e significados através da astronomia?
Os signos estão relacionados a projeção do Sol nas constelações do zodíaco ao longo do ano. Sabemos que a Terra gira em torno do Sol ao longo de um ano mas, do ponto de vista da Terra, é como se a projeção do Sol varresse as constelações do zodíaco ao longo do ano. O signo está relacionado com a constelação em que a projeção do Sol se encontra no dia do nascimento da pessoa. Até aqui, podemos dizer que existe uma relação entre Astrologia e Astronomia, uma vez que a última é a responsável pela determinação da posição do Sol no fundo estrelado. A partir do momento em que se acredita que o signo da pessoa possa interferir em sua vida, em seu comportamento ou em seu destino, a ASTRONOMIA NÃO TEM MAIS NADA HA VER COM ISSO. Este tipo de fé é Astrologia. Existe também outro problema com relação a posição do Sol e os signos. Sabemos que, devido a precessão do eixo de rotação da Terra, os períodos em que o Sol fica em cada constelação do Zodíaco não são mais os mesmos períodos de milhares de anos atrás. A Astrologia, que possui milhares de anos, não atualizou esta mudança na projeção do Sol devido à precessão. Em algumas datas não há muito problema. Mas, dependo do dia de nascimento, pode acontecer algo como acontece comigo. Sou de 29 de dezembro. Segundo a Astrologia, meu signo é Capricórnio, que corresponde a posição do Sol no dia 29 de dezembro há milhares de anos. Mas se for olhar a verdadeira posição do Sol no verdadeiro ano de meu nascimento, 1981, eu deveria ser de Sagitário. Então, hoje, para algumas datas de nascimento, a constelação da projeção do Sol segundo a Astronomia não coincide com o signo da Astrologia. Talvez a Astrologia tenha uma boa justificativa para continuar assim, mas eu desconheço. Eu realmente não acredito em Astrologia mas, como já me disseram algumas vezes, capricornianos costumam ser muito céticos.

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