Em julho deste ano, o professor Leonardo Gabriel Diniz foi entrevistado por Anna Flávia Monteiro, repórter da Revista Curinga, do curso de jornalismo da UFOP. Parte da entrevista foi publicada na matéria "Vai e olha o céu, a dança dos satélites, signos e constelações em nossas vidas", na 18ª edição da revista (clique aqui para acessar).
1)
Qual seu nome, idade e no que tem se ocupado?
Leonardo
Gabriel Diniz, 34 anos. Sou professor de Física. Tenho me ocupado
com atividades de ensino (aulas de Física), pesquisa (na área de
Física Atômica e Molecular) e divulgação científica de
Astronomia.
2)
O que o estimulou para seguir com os estudos dos astros?
Embora
eu seja formado em Física, não tive muito contato com a Astronomia
em minha formação. Minha grande oportunidade de estudar surgiu em
2009, o ano internacional da Astronomia, quando o governo federal
publicou um edital de financiamento para projetos na área de
divulgação científica e Ensino de Astronomia. Como professor do
CEFET-MG, enviei um projeto e fomos contemplados. A partir daí
criamos um grupo de Astronomia e desde então venho estudando e
coordenando atividades nesta área.
3)
Como a preocupação em torno do movimento dos astros começa e onde?
Não
sabemos ao certo quanto tudo começou. Do ponto de vista dos
registros históricos, podemos destacar algumas marcas importantes. A
orientação das pedras gigantes de Stonehenge, de aproximadamnte
4000 anos atrás, sugere um alinhamento com o movimento anual do Sol.
Este conjunto de pedras pode ser considerado como um dos primeiros
observatórios astronômicos. As pirâmides do Egito e da mesopotâmia
possuem alinhamentos sugestivos com a disposição de algumas
estrelas importantes. Destacam-se também os importantes registros da
astronomia babilônica, que usou os astros para o estabelecimento de
um calendário. Os egípcios também apresentam feitos importantes.
Na sequência temos os filósofos da Grécia Antiga e assim por
diante, até chegar no nascimento da Ciência Moderna com Galileu e
companhia.
4)
A astrologia nasce junto com a astronomia? Qual a separação
teórica?
Se
pensarmos a Astronomia como uma ciência, eu diria que ela nasce após
a separação, ou seja, após o advento da ciência moderna. Se
adotarmos um conceito menos rígido da Astronomia como um corpo de
conhecimento relativo aos astros, eu diria que ela nasce junto com a
Astrologia. Os registros históricos sugerem que as pedras de
Stonehenge, além de serem usadas para acompanhar o movimento dos
astros, eram também associadas a cultos religiosos e a previsão de
eventos futuros. Então parece que a Astronomia e a Astrologia
começaram juntas. O conhecimento do movimento dos astros, além de
ser usado para situações práticas, como a definição de um
calendário, também eram associadas às vontades dos deuses e à
previsão do futuro. A separação acontece após o nascimento da
ciência moderna. De modo simples, a ciência pode ser considera como
um método de construção do conhecimento. A partir das observações,
são construídos modelos ou teorias que representam a realidade. As
teorias ou modelos normalmente são baseadas em algumas hipóteses,
cujas consequências devem ser confrontadas com as observações ou
experimentos. Caso haja qualquer desacordo, a teoria deve ser
alterada ou mesmo descartada em favor de outra. A partir do
nascimento desta nova forma de pensar, a Astronomia seguiu este
caminho e se tornou ciência. Como a Astrologia nunca adotou e ainda
não adota este método, ela não é considerada ciência. Daí
nasceu a separação. É interessante destacar que Galileu,
considerado por muitos como o pai da ciência moderna, pode ser
considerado o último astrólogo e o primeiro astrônomo ao mesmo
tempo.
5)
Qual a posição da astronomia perante a conduta da
astrologia?
A
Astronomia estuda a evolução, o movimento de objetos celestes, bem
como a formação e o desenvolvimento do universo. A Astrologia
estuda como as posições dos astros interferem na vida das pessoas
aqui na Terra. Como físico, não sou contra e nem a favor da
Astrologia. No entanto, é muito importante demarcar que enquanto a
Astronomia é ciência (segue o método científico), a Astrologia
não pode ser considera ciência. Não ser uma ciência não é
necessariamente uma coisa ruim. Por exemplo, as religiões e até
mesmo o sentimento do amor não são considerados ciências. Até
aqui não há nenhum problema. O grande problema acontece quando
astrólogos tentam vender a Astrologia como ciência com o intuito de
pegar carona na grande credidibilidade que o método científico
possui. Neste caso, dizemos que a Astrologia é uma pseudociência,
uma uma falsa ciência que tenta se passar como verdadeira.
Em
minha opinião, o fato da Astrologia não ter escolhido seguir o
método científico não foi uma opção, ela simplesmente não
conseguiria sobreviver ao método. Como já disse Carl Sagan na série
“Cosmos”, basta pegar o exemplo de dois irmãos gêmeos. Apesar
de terem nascido na mesma configuração dos astros, eles podem
possuir personalidades e destinos completamente diferentes. Na
Astrologia antiga, antes de existir o método científico, os
astrólogos faziam de fato previsões do futuro, como tragédias,
guerras e mortes. É interessante observar que agora, os horóscopos
dos jornais não se atrevem a fazer previsões do futuro, eles apenas
indicam de forma vaga sugestões de condutas e comportamentos a serem
seguidos.
6)
Como se observa/estuda o céu quando o tempo está fechado?
Neste
caso, do ponto de vista da observação astronômica, não há muito
o que fazer. É necessário esperar o tempo melhorar ou buscar outro
lugar com melhores condições. A não ser que se usem telescópios
espaciais que, por estarem além da atmosfera, não sofrem com este
tipo de problema. De toda forma, se o interesse for apenas saber como
está a configuração dos astros no céu, é possível usar um
simulador pelo computador ou pelo celular. O Stellarium é gratuito e
bem interessante.
7)
O Voyager 1, da Nasa, carrega para além do sistema solar um disco
com memórias terrenas de nossa vida e cultura, como músicas e
imagens. O homem consegue ser do tamanho do que observa?
Embora
seja comum nos sentirmos importantes e especiais, na escala do
universo, a Terra é apenas um ponto desprezível. Como disse Carl
Sagan no livro “Pálido Ponto Azul”, “a Astronomia é uma
experiência de humildade e criadora de caráter”. Seguindo esta
reflexão, a Astronomia nos ajuda a termos mais humildade e
sensibilidade para lidar com os outros e para cuidar melhor de nosso
planeta. Penso que enviar este disco com nossas informações foi um
gesto de humildade. Assim como temos grande curiosidade em saber como
seria a vida em outros lugares, estas outras vidas poderiam ter a
mesma curiosidade. Este disco é instrumento compacto e inteligente
de reunir importantes informações sobre as formas de vida na Terra.
8)
Como o astrônomo se debruça hoje sobre a questão de vida em outros
mundos?
Do
ponto de vista científico, a maioria dos astrônomos acredita na
existência de vida em outros planetas. Já em relação a um
possível contato, como nos relatos de discos voadores, a maioria dos
cientistas são descrentes. Atualmente, uma das mais importantes
pesquisas são as descobertas de planetas que orbitam outras
estrelas, os chamados exoplanetas.
9)
A quantas anda o desenvolvimento de pesquisas astronômicas? Podemos
esperar grandes feitos? O que nos aguarda de mais grandioso?
Quais as expectativas com pesquisas e linhas de estudo?
Sem
dúvida, a grande questão do
momento consiste na busca por vida fora da Terra. A cada dia que
passa são descobertos novos exoplanetas. Temos
mais de mil já
descobertos.
Muitos desses planetas não possuem condições para a vida, pois
estão fora da zona
habitável. Ou seja, estão perto demais ou longe demais de sua
estrela, numa região em que não é possível se ter água no estado
líquido. Desta forma, as atenções ficam voltadas para os
exoplanetas da zona habitável. Quanto mais parecidos com a Terra,
acreditamos que maior será a chance de abrigar a
vida. Além da pesquisa com
exoplanetas, missões atuais
da Nasa também pesquisam a
possibilidade de vida
dentro do Sistema Solar. Além da possibilidade de vida no passado de
Marte, existe uma chance de ter condições para vida em uma das luas
de Júpiter.
10)
Qual a importância dos instrumentos de estudo? Quais são, hoje, os
mais relevantes na observação dos astros?
Ainda
em relação a questão da vida fora da Terra e dos exoplanetas, os
principais instrumentos utilizados nesta busca são os telescópios
satélites.
Se destacam os satélites CoRot (França, Europa e Brasil), Kepler
(NASA) e Gaia (ESA), que são responsáveis pela descoberta de muitos
exoplanetas.
11)
Quais os eventos podemos esperar para o restante do ano? E em 2017? Alguma
previsão em especial recente que podemos nos antenar?
Em
relação a observação do céu, todos os anos temos muitos eventos
especiais, como eclipses da Lua, do Sol, chuvas de meteoros,
conjunções de planetas, Super Lua, etc. Para saber as datas de cada
evento recomento olhar em algum anuário astronômico. No dia 27 de
agosto deste ano, por exemplo, os planetas Júpiter e Vênus estarão
muito próximos. Em maio deste ano, tivemos um evento muito raro, o
trânsito de Mercúrio na frente do Sol. Em relação ao que esperar
das pesquisas, temos muitas expectativas. Neste ano tivemos a
detecção das ondas gravitacionais. Estas formas de onda constituem
uma previsão da Teoria da Relatividade de Einstein que nunca tinha
sido detectada anteriormente. Este trabalho é um sério candidato ao
próximo prêmio Nobel. Esperamos para 2017 mais detecções destas
ondas e alguma novidade que elas possam trazer na nossa forma de
entender o universo. Também espero que um número crescente de
exoplanetas parecidos com Terra sejam descobertos. As missões da
NASA também poderão trazer alguma novidade sobre indícios de
probabilidade de vida no sistema solar. Eu, particularmente, acredito
que nossa atual geração será contemplada com a confirmação de
vida fora da Terra. Não necessariamente em 2017, mas poderemos estar
vivos quando isto acontecer. Não me refiro a um contato com ETs.
Existem algumas moléculas que são indicadores de vida, ou seja,
moléculas cuja existência só é possível a partir de alguma forma
de vida. Acredito que será possível detectar a presença de alguma
dessas moléculas em algum exoplaneta num futuro breve. Não há
barreira tecnológica, mas tudo dependerá de investimento de
recursos nestas pesquisas.
12)
Qual a margem de erro das previsões astronômicas?
Isto
depende muito do tipo de previsão de que estamos falando. Se
estivermos falando da previsão das posições dos astros, ou de
fenômenos como eclipses, posso dizer que o erro é desprezível
(embora eu não saiba quantificar). Se estivermos falando de outros
tipos de previsão, como a explosão de uma estrela ou a previsão de
colisão de duas galáxias, por exemplo, é bem mais complicado.
Estes fenômenos são de uma escala de tempo muito grande para a
escala de tempo de nosso dia a dia, pois estamos falando de milhões
ou até mesmo de bilhões de anos. Estas previsões são feitas
usando teorias e simulações computacionais. Embora os erros possam
ser grandes em nossa escala de tempo, o erro deve ser sempre pequeno
em relação ao fenômeno estudado . Por exemplo, um erro no tempo de
vida de uma estrela de um milhão de anos, embora muito grande para
nós, é algo muito pequeno para uma estrela que vive bilhões de
anos. Embora nenhum ser humano possa viver tempo suficiente para
acompanhar a evolução de um único fenômeno nesta escala de tempo,
podemos fazer uma análise estatística baseando-se nas várias
estrelas que estão no céu hoje. A teoria científica nos diz como é
a evolução de uma estrela, e o imenso número de estrelas no céu
de hoje dialoga com o nosso modelo teórico. É como se uma certa
estrela de hoje representasse o passado ou o futuro de uma outra
estrela. Para quantificar em número o erro destes tipos de previsões
seria necessário consultar um especialista, como um astrofísico ou
um cosmólogo.
13)
A melhor forma de observar o conceito do tempo é na
observação e estudo dos astros?
Percebemos
o tempo através de algum fenômeno que se repete, os chamados
fenômenos periódicos. Através da contagem do número de
repetições, que acreditamos sempre ter a mesma duração, podemos
ter uma contagem da passagem do tempo. Os calendários são baseados
no movimento periódico da Terra em torno do Sol e na duração do
dia. As estações do ano também estão relacionadas a este
movimento. Isto tudo tem uma importância fundamental em nossas
vidas. Do ponto de vista da precisão na medição do tempo, sabemos
que esta não é a melhor escolha. Relógios que utilizam a vibração
de átomos como contagem de tempo possuem uma precisão muito melhor
do que o movimento dos astros. Além disso, sabemos que um ano não
dura exatamente 365 dias e existem pequenas variações na
duração dos dias. Para ajustar o problema da duração do ano e do
dia, foi criado o ano bissexto. Do ponto de vista do rigor
científico, da precisão e da uniformidade na passagem do tempo, o
relógio atômico seria melhor. Mas do ponto de vista prático, o
dia, o ano e as estações do ano, por serem fundamentais em nossas
vidas, certamente constituem a melhor forma de observar a passagem do
tempo.
14)
Como se pode perceber o tempo e sua cadeia de signos e significados
através da astronomia?
Os
signos estão relacionados a projeção do Sol nas constelações do
zodíaco
ao longo do ano. Sabemos que a Terra gira em torno do Sol ao longo de
um ano mas, do ponto de vista da Terra, é como se a projeção do
Sol varresse as constelações do zodíaco ao longo do ano. O signo
está relacionado com a constelação em que a projeção do Sol se
encontra no dia do nascimento da
pessoa. Até
aqui, podemos
dizer que existe uma
relação
entre Astrologia e
Astronomia, uma vez que a última
é
a
responsável
pela determinação da posição do Sol no
fundo estrelado.
A
partir do momento em que se acredita que o signo da pessoa possa
interferir em sua vida, em seu comportamento ou em seu destino, a
ASTRONOMIA NÃO TEM MAIS NADA HA VER COM ISSO. Este tipo de fé é
Astrologia. Existe
também
outro
problema com relação a posição do Sol e os signos. Sabemos que,
devido a precessão do eixo de rotação da Terra, os períodos
em que o Sol fica em cada constelação do Zodíaco não são
mais
os
mesmos
períodos
de
milhares de anos atrás. A Astrologia, que possui milhares de anos,
não atualizou esta
mudança na projeção do Sol devido à
precessão. Em algumas datas não há muito problema. Mas,
dependo do dia de nascimento, pode acontecer algo como acontece
comigo. Sou de 29 de dezembro. Segundo a Astrologia, meu signo é
Capricórnio, que corresponde a posição do Sol no
dia 29 de dezembro há milhares
de anos. Mas se for olhar a verdadeira posição do Sol no verdadeiro
ano
de meu nascimento, 1981, eu deveria ser de Sagitário. Então, hoje,
para algumas datas de nascimento, a constelação da projeção do
Sol segundo a Astronomia não coincide com o signo da Astrologia.
Talvez a Astrologia tenha uma boa justificativa para continuar assim,
mas eu desconheço. Eu
realmente não acredito em Astrologia mas, como já me disseram
algumas vezes, capricornianos costumam ser muito céticos.
Esse é o peixe...
ResponderExcluirMuito bom! Didático e interessante. Parabéns, Leo!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito maneiro!!!!
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